Presente em evento do Calama, Bototo faz arte para reciclar o mundo
Artista expôs suas obras no I Festival de Cultura, Arte e Meio Ambiente do IFRO
Júlio César Pinto de Oliveira, o Bototo, artista plástico que faz arte com reciclagem de materiais, esteve presente no I Festival de Cultura, Arte e Meio Ambiente. Em sua concepção, “tudo pode e deve ser reciclado, para não machucar o planeta”. O evento foi realizado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO), Campus Porto Velho Calama, na semana de 21 a 25 de outubro.
Um dia ele esteve no campus para conversar com o Diretor Leonardo Pereira Leocádio, ocasião em que o presenteou com um quadro e, posteriormente, trouxe mais cinco para a exposição que foi realizada junto ao Festival. Bototo conversou com os alunos e explicou sobre a finalidade de suas obras que levam nomes como Chuva de Letras, Combinado, Catador e Nação Passarinho.
Bototo é dessas figuras, espírito livre, que tem a arte como símbolo de vida e alegria. Ao revelar seu talento, pois transforma tudo o que pode ser reciclado em arte, não acha certo comercializar um dom recebido de Deus. Muitas vezes, após lanchar na banca que fica na calçada do Campus Calama, ele conta que via os alunos passarem, porém, os achava tristes, pois não sorriam. Lembrou que, para ele, a escola era um espaço de alegria. Foi pensando nisso que pensou em aproximar-se e conhecer o Diretor Leonardo, para propor alguma coisa que tornasse os alunos mais felizes. Contou ao Diretor quem ele era, falou que estava ali para cooperar com alguma coisa e contou o que aconteceu no calçadão do IFRO em relação aos alunos.
Segundo ele, o diretor é uma pessoa com um coração maravilhoso e falou assim: “Nós vamos conversar agora”. O artista foi muito bem recebido no Campus Calama e, desse contato, surgiu a ideia de expor frequentemente suas obras naquele espaço. Bototo trabalha reciclagem com qualquer tipo de material e tem um carinho imenso pelo que produz. Hoje em dia, a arte é o seu foco. Cada quadro seu tem uma história que ele explica satisfeito e dá sentido para cada elemento que compõe suas telas.
História de vida
Filho de pai e mãe nordestinos, Bototo nasceu em Teresina (PI). Com mais nove irmãos, a família saiu do Piauí para Altamira (PA), e ele cresceu à beira do Rio Xingu, acompanhando o pai nas pescarias do rio. Ele conta que amava ir pescar com seu pai que também era artista. Moravam numa casa de pau-a-pique e ele ia numa serraria velha buscar madeiras, com as quais confeccionava e pintava flores. E decoravam a casa toda com as flores de madeira. “Formou a casa todinha com flores e colocou o seu nome de Casa Primavera, o poço, tudo. Aquilo me chamava muito a atenção, porque a casa virou atração e ele a transformou na casa mais visitada do bairro e todos queriam ver aquela casa”, conta o artista.
“Tudo o que ele fazia me chamava a atenção, principalmente na cozinha da minha mãe. O povo nordestino tem a mania de ariar os alumínios. Era assim, parecia um espelho, né? E era assim, dentro de casa ficava minha mãe, minhas irmãs. Minha mãe estudava tudo, ela era muito exigente. Mesmo que a casa fosse de pau-a-pique, mas as coisas, tudo era bem ensinado, né?”, afirma, dizendo que prefere lembrar as imagens interessantes de sua infância e esquecer as ruins.
Lembra que chegou à escola, com seis anos de idade, “já com a caixa de lápis de cor, com 36 cores e um caderno de desenho”. Seu pai, Francisco, que era tratado por Chico, esculpia os alumínios de sua mãe. “Ele pegava um prego grande com uma ponta bem fina e esculpia tudo. Flores, pássaros, poemas, fazia tudo nos alumínios da minha mãe. Era o suporte que ele iria arrumar para poder aplicar a arte dele. Então aquilo me chamava muito a atenção e eu gostava muito de ficar naquela cozinha”, lembra.
“Então, quando eu cheguei na escola, com 6 anos de idade, eu ia pintar e tudo. As pessoas repassavam, então eu começava a fazer tudo o que ele fazia nos alumínios. Eu me lembrava, eu aplicava no meu caderno de desenho e pintava tudo também. E as professoras diziam que eu era diferente dos outros, né? Minha professora dava 10, e quando eu chegava em casa e mostrava para ele, ele falava para a minha mãe: – Esse menino tem futuro. Mas ele não sabia que o futuro era ele que estava me dando”.
“Eu copiava dos alumínios da minha mãe o que ele fazia, né? E os alumínios da minha mãe eram uns alumínios, assim, eram velhos de uso, né? Mas se tornavam tão bonitos, devido a elas arearem e eles ficarem parecendo um espelho onde eles se olhavam. Tão limpinhos, assim, brilhosos, são lembranças que trago assim”. Criado na beira do Rio Xingu, Bototo conta que adorava pescar com seu pai. “Ah, eu amava pescar com meu pai, amava fazer muita arte, eu era um grande artista”, conta, afirmando que o pai o transformou no seu mascote. E foi ainda na infância que Bototo desenvolveu o desenho, a partir das ideias traçadas por seu pai, mas diz que depois que o velho partiu “tudo foi embora”. Mas a escola desenvolvia muita arte.
Foram quatro anos seguidos só de arte, da quinta à oitava série. “Técnicas de arte, educação artística, artes industriais. Então, esse tempo todo de quatro anos, eu aprendi muita coisa também com os professores”, conta. “Então, o que me deixa motivado é de saber que eu desenvolvi dentro do meu colégio a arte regional, porque as minhas professoras, inclusive a minha professora de arte é até uma africana, natural mesmo, de Angola. A professora mais querida que eu tinha dentro do colégio, eu amava todos, mas ela é demais, devido aos seus turbantes coloridos”, relembra. “Aí eu percebi que os meus trabalhos ficavam na Diretoria e na Secretaria da escola decorando todo o espaço”.
Questionando à diretora por que seus trabalhos ficavam lá, ela respondeu que era porque ele tirava dez em tudo. “Ora”, ele pensou, “sendo assim, a partir de hoje vou tirar zero para poder levar meus trabalhos para casa”. Em 1984, após a morte de seu pai, todos vieram para Rondônia. Ele tinha entre 19 e 20 anos. E conta que chegou no estado com a intenção de perseguir a arte, como havia no Pará, citando ser aquele estado muito desenvolvido em arte e cultura. “Então, aqui, o desempenho de uma cidade que eu observava tudo, era através da arte nas escolas. Tudo que os alunos faziam, quando tinha os congressos estaduais e municipais de arte, junto com as autoridades, sempre nós estávamos cobrando uma vida melhor para a nossa cidade. Essa era a tendência, de transformar nossa arte em uma existência melhor para a nossa sobrevivência humana”, menciona, esclarecendo que vê a arte como uma política de inclusão e de superação.
Bototo explica que quando chegou a Porto Velho sofreu um acidente e ficou doze dias em coma. Depois, teve que buscar tratamento fora e perdeu a voz, ficando quase em estado vegetativo. “Isso mexeu com o meu cérebro e eu fiquei uma pessoa diferente”, afirma. Foi quando os médicos lhe recomendaram a arte terapia e a cromoterapia, isso porque ele havia também ficado daltônico. “Eu chorava muito e queria ver as cores, mas só via preto, branco e cinza, mas esse tratamento me trouxe as cores de volta”, declara satisfeito que a cromoterapia lhe trouxe a alegria de volta. “Porque depois de cinco meses eu vi assim, constelações mesmo, de estrelas, tudo colorido. Então, achei maravilhoso e pulei muito de alegria”.
E complementa: “quando eu entrei no mundo da cromoterapia e da arte terapia, então, explodiu tudo em cima de mim, me mostrando o que é que eu tinha que fazer. Então, eu comecei pela psiquiatria, onde eu era internado”. “E eu comecei a pedir para minha família que me desse tecidos grandes, que me desse tinta. Eu queria pintar dentro da psiquiatria, mas eles me davam, só que eles não queriam que eu ficasse junto com eles. Foi daí que eu comecei a perceber que a discriminação total vem de família. E não vem só da sociedade”. Segundo conta, por não entender a patologia e pensar que é loucura, isolam o diferente.
Passando a pintar na psiquiatria como forma de chamar a atenção de como os doentes eram tratados, pintava os quartos escuros com vasos quebrados. “E eles começaram a me perguntar o que significava aquilo, eu comecei a mostrar a ignorância deles, porque o vaso que eu pintava rachado era representando a eles, o vaso quebrado. A mesa era o suporte da sociedade com a gente, e aquele quarto escuro era o momento que eu estava passando ali dentro. Então eu ainda botava a plaquinha: ‘ei, não pise nas flores’, para dizer: ‘não maltrate os pacientes’. Não sei se é por causa disso que eu comecei a fazer as denúncias através da pintura, porque eu tenho arte comigo não só para embelezar. É uma expressão de uma linguagem através das imagens”.
E Bototo diz que muitas das obras que produziu se encontram em Brasília, na Secretaria Nacional de Cultura. “Estão lá, as coisas de Rondônia, tudo o que eu fiz está lá”. Também conta que há próximo dele um espírito de muita bondade que se comunica para que tome algumas atitudes. “Atitudes e independência. Me orienta de uma maneira assim, diante de autoridades. Ele fica muito quente perto de mim, muito quente. Às vezes ele diz para mim assim, segura o choro. Segura o choro, porque eu vou agir”.
O artista ainda conta que foi convidado para participar do Congresso Estadual de Saúde Mental, de pessoas que estão doentes em presídios e estão passando por problemas com a Justiça. “E eles mandaram me convidar, porque ano passado eu fui acionado pelo governo federal para participar da quinta Conferência Nacional de Saúde Mental com Arte, com o Projeto Ideias Loucas para Pessoas Normais. Fui acionado com esse projeto e no ano passado mandaram me buscar”, diz.
“Levei janelas para o Brasil dentro desse projeto, porque eu pedi inclusão social urgente para Porto Velho. Pedi casas de acolhimento para essas pessoas que eu vejo abandonadas. Pedi nutricionista dentro dessas casas e professores de Educação Física”. Porque, afirma, “pessoas que são como eu não podem só tomar remédio e ficar jogando no canto. Tem que fazer física para poder se alimentar”, reivindica. “Aí eles abriram a mente deles. Aí a ministra me chamou logo para a Tribuna do Brasil para me sentar na mesa com eles. Eu falei nossa, por que ela não chamou o governador que está aqui? Aí quando eu peguei o microfone que me deram o microfone. Aí eu falei, eu quero primeiramente agradecer a Deus que eu estou aqui. E agradecer vocês que aprovaram o meu projeto e mandaram me buscar e eu estou aqui, entende? Para fazer relatos do meu projeto e dizer que o meu projeto em si, ele é espiritual”, diz.
“Entende? Foi tanto que ideias loucas para pessoas normais não vêm de mim. Vêm coisas que me deram e eu achei muito bonito o nome. Eles bateram muitas palmas. E eu disse que todas essas palmas não são para mim porque eu sou apenas uma ferramenta. Tudo o que eu estou explicando aqui já estava feito. Eu apenas sou uma ferramenta para trazer para vocês, mas eu não fiz nada. Eu não sou nada dentro da arte”.
Perguntado sobre sua espiritualidade acentuada, ele responde que “é forte, assim que eu me vejo, responsável pela cidade onde eu moro. Pois que a arte em si, ela vinha através da medicina, através do meu pai. Como um cartucho de orientação para cima de mim. Para que eu pudesse trazer a luz para dentro da cidade onde eu moro”. Bototo conta que foi convidado para a inauguração do Centro Cultural do Tribunal de Justiça. E que quando se acidentou, disse que os médicos não acreditavam em sua recuperação. “Eles pensavam que eu não ia resistir. Quando eu acordei, a gente estava com três horas e meia. A cirurgia terminou e foi um sucesso”, recorda, “pois tinha um cientista maior dirigindo”.
“E eu resisti àquele momento de cirurgia. E naquele momento eu pedi para Deus que se ele me tirasse daquela situação. Eu queria chegar em Porto Velho e queria alegrar o coração de muita gente”. Extremamente preocupado com o Meio Ambiente, Bototo acha que as pessoas deveriam pensar mais no consumo consciente, não jogar lixo nas vias públicas e cooperar para embelezar o espaço onde se vive.
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